quarta-feira, 25 de junho de 2025

Um acidente que marcou a minha infância: Um trem de passageiros rolando ribanceira abaixo!

RESGATANDO A MEMÓRIA HISTÓRICA!

Acidente ferroviário no antigo Ramal de Bom Jardim, na década de 1960: 

Quando a Locomotiva Segurou a Tragédia!



Por Julio Cesar de Carvalho (Julio Kzar) | Edição Especial – Memória Ferroviária


Na década de 1960, os trens a vapor da Estrada de Ferro Leopoldina Railway eram parte do cotidiano de milhares de fluminenses, ligando Niterói — então capital do estado — às demais cidades do interior e à municípios da Região Serrana e Centro-Norte (Foto ao lado). Uma viagem que, apesar da beleza dos vales e montanhas, nem sempre estava livre de riscos. Foi em um desses trajetos, no ramal que ligava Nova Friburgo a Bom Jardim — entre os distritos de Riograndina e Banquete, já no território bom-jardinense, que ocorreu um dos acidentes mais marcantes da história ferroviária da região e da minha vida. Naquele dia, cuja data correta não se tem registro, o trem seguia seu percurso habitual quando, em uma curva acentuada, os vagões de passageiros descarrilaram e despencaram por um barranco. A força do impacto fez com que os vagões rolassem ladeira abaixo, ainda presos à locomotiva que, graças ao seu enorme peso e robustez, permaneceu sobre os trilhos e impediu que a composição inteira se precipitasse morro abaixo.

De acordo com relatos da época, houve momentos de pânico. Passageiros se seguravam uns nos outros, enquanto os vagões inclinavam perigosamente. Apesar da gravidade do acidente, o fato da locomotiva ter resistido evitou uma tragédia de proporções ainda maiores, pois o Rio Grande estava logo ali abaixo. Mas houve diversos feridos, alguns com fraturas e escoriações, mas, segundo os registros não oficiais disponíveis, felizmente não houve vítimas fatais.

Eu, ainda criança nesta época (devia ter uns dez anos de idade). morava em Riograndina, distrito de Nova Friburgo, perto da estação por onde o trem passava.

Estação de Riograndina e trabalhadores da ferrovia
Estação de Riograndina na época e trem com
trabalhadores que auxiliaram no resgate de
passageiros e retirada dos vagões acidentados

E vi quando a 
empresa Leopoldina Railway, responsável pela operação da linha, rapidamente mobilizou uma verdadeira força-tarefa.

Equipes de socorro foram deslocadas até o local, enfrentando a dificuldade do acesso precário e da geografia acidentada. Ambulâncias, caminhões e até veículos particulares foram usados no transporte dos feridos até os hospitais de Nova Friburgo e Bom Jardim. A Leopoldina também disponibilizou um trem para levar os familiares até o local da tragédia. Apesar de não ter nenhum parente ou conhecido acidentado, eu fui no comboio, acompanhando o resgate dos feridos.

O que causou o acidente?

As investigações realizadas posteriormente apontaram uma causa alarmante, mas não incomum nas linhas da Leopoldina naquele período: o apodrecimento dos dormentes de madeira, responsáveis por sustentar os trilhos. Com o tempo, a ação da chuva, da umidade e da falta de manutenção fez com que os dormentes se deteriorassem. Como consequência, os cravos que prendiam os trilhos se soltaram, o que levou ao alargamento da bitola (distância entre os trilhos).

Foi esse alargamento fatal que resultou no desprendimento dos vagões de passageiros, que saíram dos trilhos e, de forma descontrolada, despencaram por um barranco, rolando ladeira abaixo. A locomotiva, porém, muito mais pesada e robusta, manteve-se milagrosamente sobre os trilhos, funcionando como âncora e impedindo que a composição inteira mergulhasse no abismo, evitando assim, uma tragédia ainda maior.

👥 Mulheres, crianças e o pânico nos vagões

O susto foi generalizado. Passageiros se agarravam aos bancos e uns aos outros na tentativa de se proteger, enquanto os vagões tombavam. Muitos foram lançados de um lado para outro dentro dos carros, sofrendo escoriações, cortes, fraturas e ferimentos diversos. Entre os feridos, havia mulheres, crianças e famílias inteiras, incluindo diversos moradores de Bom Jardim, que retornavam para casa após compromissos em Nova Friburgo ou outras localidades.

Os gritos de socorro e o desespero dos sobreviventes ecoaram por minutos, que pareciam intermináveis, até que os primeiros moradores da região, alertados pelo barulho, começaram a se mobilizar para prestar socorro.

🚑 Resgate e solidariedade

A própria Leopoldina Railway foi obrigada a montar uma operação de emergência. Equipes de manutenção e funcionários da ferrovia foram acionados rapidamente. Caminhões, ambulâncias e até veículos de moradores locais foram utilizados no transporte dos feridos para os hospitais mais próximos, em Bom Jardim e Nova Friburgo. O episódio mobilizou toda a região. O comércio local, igrejas e vizinhos se uniram para fornecer mantimentos, roupas e apoio às vítimas e às famílias envolvidas no acidente.


⚠️ Reflexo de um sistema em decadência

O acidente foi mais um alerta para um problema crônico que já assolava as ferrovias brasileiras nos anos 60: o abandono, a falta de manutenção e os baixos investimentos na malha ferroviária, sobretudo nas linhas secundárias do interior. Durante décadas, a Estrada de Ferro Leopoldina Railway foi a principal responsável pela integração econômica e social de dezenas de municípios, mas, aos poucos, foi sendo deixada de lado em favor das rodovias e do transporte rodoviário. Poucos anos após esse acidente, os trens de passageiros da linha seriam desativados, colocando fim a um capítulo importante da história da região.


Hoje, o velho leito da ferrovia virou uma estrada vicinal e abriga apenas lembranças. Trilhos arrancados, estações desativadas e dormentes desaparecidos deixaram para trás, não só a grandeza do passado ferroviário, mas também seus dramas e desafios.


📰 Depoimento de um sobrevivente (reconstituição):

"Eu estava em um vagão com minha esposa e meus dois filhos pequenos. De repente, senti o trem balançar forte e, quando olhei pela janela, vi que já estávamos descendo o barranco. Foi um pavor... Gente gritando, objetos voando, criança chorando... Só me lembro de agarrar meus filhos e rezar. Graças a Deus saímos com alguns machucados, mas vivos." — Relato atribuído a um morador de Bom Jardim, colhido em registros orais da época.

O acidente gerou grande comoção na população das duas cidades e reacendeu o debate sobre as condições de manutenção dos trilhos, especialmente nas linhas de serra, onde os riscos de deslizamentos, falhas na via permanente e acidentes eram constantes.

Apesar dos sustos, a linha continuou operando por mais alguns anos, até que, como tantas outras no país, foi desativada no contexto do processo de sucateamento do transporte ferroviário no Brasil.

Hoje, restam poucos vestígios físicos daquele ramal. Mas a memória do trem, do apito cortando os vales e, também, daquele acidente que poderia ter sido uma catástrofe, ainda vive na lembrança dos mais antigos e na história oral da região.


Texto elaborado pelo jornalista Julio Cesar de Carvalho (Julio Kzar), com base em suas memórias, além de apoio e pesquisa do ChatGPT.