De Trilema para Dilema, menos mal...
A. Magno
A inflação assolava o país (1991), a fábrica na qual eu trabalhava (Natal RN) fora vendida para um grupo paulista e, para piorar, uma depressão – o câncer da alma – batia-me à porta.
Bem a frente de onde eu morava, havia uma luxuosa casa de um gringo americano aposentado das forças armadas. Pelo jeito, o gringo gostava de animais, pois em seu quintal havia gatos, dois cachorrões, patos, galinhas e um viveiro cheio de pássaros. Tempos depois, o gringo adquiriu um “galo de terreiro” para cruzar com as galinhas. Aí então, começou o meu inferno. O diabo do galo a partir das três da madrugada começava a bater asas e a cantar sem parar. Eu tomava antidepressivo, mas, depois das três da madrugada, mesmo contando de cem até zero o galo me vencia e eu ficava rolando na cama até as seis horas. Assim, diante do “trilema”, inflação nas alturas, depressão e interrupção do sono no período fundamental de fabricação da melatonina e da serotonina eu sentia que ia pifar. Aí, pensei em conversar com o dono do galo. Porém, um vizinho, alertou-me:
– Seu Magno... Esse bexiga lixa desse gringo é e-x combatente da guerra do Vietnam... É um cabra problemático, complicado, que não vai entender o seu problema. Por isso, se eu fosse o senhor eu pensaria em por fim a vida desse galo, e ponto final. Que tal?...
Pensei, pensei e cheguei à conclusão que o melhor caminho era assassinar o safado do galo. Mas, como?
Conversando sobre o assunto com um colega de trabalho, ouvi dele:
– Ah, matar esse galo, é muito simples: Você compra uma espingarda calibre 22, sobe no muro, mira bem na cabeça do bicho, e puuumba!...
– Trepar no muro dos outros com uma arma nas mãos?! Tá doido, Wilson! Dias depois ouvi de um amigo da Aeronáutica:
– Você quer mesmo acabar com esse galo?
– É claro que quero. Antes, eu ainda dormia até as três horas, mas ultimamente, eu já vou me deitar, pensando: Será que esse desgraçado vai cantar hoje? E aí, já viu...
– Cara – disse o milico –, faça um “cuscuz” misturado com remédio de matar ratos e, à noite, jogue-o por cima do muro e adeus galo...
– Tenente, Tenente!... Desse jeito vão morrer o galo, as galinhas, os patos, os cachorros e vai por aí...
Nesse mesmo dia, um Êngo. da Petrobras que participava da conversa deu a sua receita:
–Bicho, pra você matar esse peste, é só você comprar uma “vara de pescar com anzol tamanho médio”, botar no anzol um caroço de milho, jogar por cima do muro e quando sentir que o galo engoliu o milho com anzol e tudo é só puxar... Entendeu?
- Pô, cara!... Como é que eu vou saber se foi o galo que engoliu o milho?
Outras engenhosas receitas me foram dadas. E, enquanto isso o galo continuava na dele: Pla!... Pla!... Pla!... Cocororocó!! E eu, sem dormir. Tempos depois intrigado com a ausência do canto do galo, perguntei ao segurança da rua:
– Ô Seu Carlos, que fim levou o galo de terreiro do gringo?
O segurança tirou e botou o boné na cabeça e falou:
– Xiiii, dotô! Num meche nisso, não...
– Por quê?
– Óxente! Soubesse, não? Envenenaram o pobre do galo, oito galinhas e os quatro patos do gringo e, no final ainda sobrou pra mim.
Curioso, imediatamente, indaguei:
– Por que, Seu Carlos?
– Porque o safado do gringo tá dizendo pro povo que fui eu que matei os bicho dele. Mas, eu tô doido pra ele dizer isso na minha frente, pra ele saber como é bom o cabra levar um tiro de trinta e oito na bochecha do joelho.
Penso que até hoje não se descobriu quem matou o galo do gringo. Não obstante, sou muito grato ao assassino misterioso que livrou- me do trilema.