sexta-feira, 4 de março de 2011

Rebelião climática

Angélica Rocha (*)

Escrever sobre o histórico e avassalador acontecimento em meu Bom Jardim, e região, me parece um tanto difícil e indefinível. Mas de qualquer forma, preciso iniciar tal relato, pois o grito tem que ser extravasado, e há que se romperem as janelas da perplexidade para deixar registrado como espanto, dor, medo, consternação, contudo, deixar a esperança encontrar ainda que em chão árido, motivo para renascer.

Jamais poderíamos imaginar que um dia, viveríamos tsunâmica destruição e perdas, modificando vertiginosamente nossos campos, ruas, casas, bairros... Arquitetura que desde pequenos aprendemos a desenhar, e agora a referência se perde aos entulhos mastigados e expelidos pelas entranhas da fúria de nosso Planeta.

A ponte do Maravilha, a ponte do Arco na Barra de Santa Teresa, nosso “Viveiro”, que depois se tornou Zoológico. E ainda bem que o bom senso prevaleceu e dessa vez os animaizinhos puderam ganhar seu livre habitat longe das grades. Nossa “Babaquara” (Vila São Luiz), nosso São Miguel berço da nossa “Casa Verde” hoje escola Viviane e da nossa fábrica “Busi”, o velho correio de casas, o ainda adolescente Campo Belo, nossos distritos Banquete e o veterano São José.

O homem na sua pretensão ou necessidade física acaba cometendo erros numa dinâmica de atitudes que sem refletir, acaba retornando p/ si mesmo ações e reações a despeito da sua, quiçá, ingênua soberania. Vivemos nos colocando sempre inatingíveis e subestimamos a força da natureza. Agredimos o solo, construímos em qualquer espaço, violentamos impiedosamente nossos rios, açoitamos florestas, desmatamos, queimamos, corroemos e furtamos o Planeta terra como se fossemos seus únicos moradores e seres dominantes. O que vimos nessa tristeza indescritível foi à resposta soberba de outras energias (terra, água, vento, trovão), tomando de volta seu lugar. Mas, ainda estarrecidos e frágeis estamos diante da tamanha rebelião climática que nos massacrou. Quais os olhos e corações não choraram com as cenas que viram? Quem não se emocionou a todo instante? Afinal, somos uma só célula. Nossos corações gritavam em meio a tantas dores, mas a solidariedade vinha de mão em mão, nas buscas, nos gritos, nos olhos, no abraço, no silêncio das faces. Engolir o desespero era preciso, salvar vidas, buscar a história, era preciso. Nunca se viu tanta corrente de amor ao próximo, e o Brasil ficou pequeno demais... Coube todo ele no nosso Bom Jardim.

São as histórias de vidas de cada um que se foi, não somente a perda material, mas a perda da história única de cada vida.

Não sei se essa histórica transformação geográfica acontece para transformar nós os humanos e para acordarmos enfim... Somos parte integrante desse planeta, por isso morremos junto às vidas que se deflagraram em meio às águas e terras, porque somos natureza!

Contudo, a dinâmica então foi a do amor, essa falou mais alto, muito mais alto que especulação imobiliária, ambição, o individualismo, a verdadeira e mais importante “Pessoa” não foi o “Eu”, mas o “Nós”, essa foi a diferença, por tanto há que se ainda acreditar no amor, acreditar no homem.

Em meio a tantas ausências e mutilações na alma, modificações físicas e saudades de amigos, famílias e tantas vidas que se perderam, há que se orgulhar de nossos heróis anônimos, adolescentes que trocaram as academias para malhar na ajuda ao próximo, as senhoras, senhores, crianças e mulheres que numa só sintonia estancaram as lágrimas e deram o melhor de si. E continuam, alguns não serão mais os mesmos. Agora, sob o efeito da força que nos é peculiar, reconstruiremos e de cada pedaço recomeçaremos os passos, sobre os escombros do presente, levantaremos o alicerce para o novo amanhã.

PS. Apelo: Olhem para nossas montanhas, elas precisam respirar. Não destruam mais, o cenário já é gritante. As construções já tomam o verde onde nasce a lua.

Loteamentos esdrúxulos vão engolindo nossa montanha que outrora me inspiravam nas noites de lua cheia.

Corremos o risco de não mais vermos a lua nascer por trás das árvores, e sim agonizando por trás do concreto.

Se o homem continuar engolindo a terra, vai continuar sendo tragado por ela e junto, irão inocentes.

(*) Angélica Rocha é bom-jardinense, poeta, escritora, membro do conselho de cultura e com muito medo não das intempéries do tempo, mas da insensibilidade do ser humano.

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